Someone Burned Down This Town - The Legendary Tiger Man é o alter-ego de Paulo Furtado que nasceu em 2001 com um álbum chamado "Naked Blues" que passou despercebido pelo mercado português, mas que serviu de base para o desenvolvimento de toda a mística blues/folk que Tiger Man tem desenvolvido ao longo dos últimos anos. Para os menos atentos, The Legendary Tiger Man é uma "one-man band", no sentido em que Paulo Furtado toca guitarra, canta, toca bombo e toca pratos-choque, desta forma ocupando todos os membros do corpo humano. Someone Burned Down This Town é a música folk que inicia o Masquerade. Uma música que sabe jogar com os silêncios, com os acordes melodiosos, com a voz profunda e "desembelezada" e com as batidas repentinas que nos mantêm curiosos todos os segundos da música. Foi uma grande ideia começar este álbum com uma música mais calma mais "ambience" para não termos que saltar desavisados para o labirinto rock/folk/jazz/blues que se segue. De destacar desde já o trabalho fantástico do produtor Mário Barreiros que conseguiu trazer para o Masquerade o que faltava aos álbuns anteriores de Tiger Man, um som mais próximo e mais limpo, de tal forma que desta vez conseguimos sentir a vibração das suas guitarradas e os sismos das suas batidas. Obrigado Mário Barreiros por transportares o Tiger Man mesmo aqui para o nosso lado. "I'm tired of the Maier, I'm tired of the drunk, just talking and talking" (7.5)
The Whole World's Got The Eyes On You - Cá estamos nós, confortavelmente sentados no génio de Paulo Furtado a fumar o seu ambiente, a sentir os seus blues, os seus acordes rítmicos com um sabor exótico inesperado. Um "never-ending feeling" de sensualidade, de glamour, de rock'n'roll western, dos blues do Delta do Mississippi e dos seus lonely blues-man. Esta viagem musical de 3m e meio faz-nos sentir tudo isto, sentimos o coração a doer de saudade e nostalgia de um passado que não foi o nosso. Simplesmente inacreditável. Reparem no arranjo de guitarra, ouçam os seus acordes agudos, agudíssimos, que nos arranham a glote (o som entre 2:11 e 2:30 leva-nos a soltar um grito de êxtase musical) . Reparem, por favor, na mestria dos pratos choques que fazem vibrar o chão e nos fazem querer dançar de forma gangster/clubbish com um leve movimento de pés, acompanhados por um estalar de dedos ritmado. Reparem na letra lamentosa e suplicante, uma serenata a uma mulher perfeita demais para o homem comum, baby "I hope you don't look at me, and I'll try not to look back, but that sprakle and that fire in your eyes can easily set me off my track". Perfeito. Imperdível. (10)
I Got My Night Off - Hey!, lets rock'n'roll baby. Reservem esta noite para a dançar ao som do rock simplista de "I Got My Night Off". Sabe tão bem poder ouvir um som sincero e coeso que tem como único objectivo "rock our socks off". O riff desta faixa varia entre o som puro e minimalista e o som arranhado e dinâmico, na medida em que os dedos de Tiger Man deslizam pelo braço da guitarra com a distorção ligada a meio volume, fazendo-o soar umas vezes a um baixo jazz e outras vezes a um novíssimo riff de Jack White (White Stripes). Uma das músicas mais acessíveis de Tiger Man, essencial para convencer os amigos do pop a largarem o último hit do Justin Timberlake e virem dançar connosco "I got my night off and I'm gonna wreck this town, just having fun yeah" (8.5)
Say Hey Hey - Entremos no "nightclub" mais próximo, "The Coco Bongo Club" é o seu nome, chegámos mesmo a tempo de assistir à famosa dança de Jim Carrey e Cameron Diaz ao som de "Hey Pachuco!" dos Royal Crown Revue. Estamos no final dos anos 80 e o "swing revival" é o som do momento nos clubes nocturnos de Miami, a actuação que se segue a Royal Crown Revue é......Tiger Man? Será possível? E não se esqueceu de vir acompanhado, Mário Barreiros encarregou-se da percussão (de forma a conseguir o swing beat pretendido) e o companheiro de digressão DJ Nell Assassin encarregou-se dos samples (arranjos de voz que reproduzem fielmente o tom rouco e vibrante da moda) e do scratch (que domina o último minuto da música). Que dizer desta banda improvisada? Fraquinho. Mário Barreiros denota alguma inexperiência na condução da percussão (porque não foi Paulo Furtado buscar o grande João Doce?) e o scratch de Nell Assassin parece, no mínimo, deslocado do swing jazz (New Orleans Jazz do anos 20), dando à música um sabor de remix despropositado. Paulo Furtado está muito bem, os seus riffs "by the history book" não decepcionam. (7.0)
Honey, You're Too Much - Leitor, peço-lhe, não, imploro-lhe que aumente o volume do som. Sente os móveis do quarto a tremer? aumente só mais um bocadinho, isso, agora sim vai poder desfrutar ao máximo deste som poderosíssimo e do seu Acid Jazz e Nu Jazz. Sinta a vibração, sim, é grave como um contra-baixo e pesado como uma percussão. O ambiente que cria é de um som urbano/nocturno, som para acompanhar a preparação (o gel e desodorizante) de uma noite com a mulher fatal que tanto receia mas que tanto deseja. Honey, You're Too Much é sensual e grotesco, ao acabarmos de o sorver não conseguimos deixar de sentir a culpa do pecado, os suores quentes da audição de um som promiscuo, uma tentação até então desconhecida. Animalesco. Áspero. Cortês. Tiger Man. "I got your call, baby, late at night, come over honey, I am all alone (...) you stand at the door looking mighty fine, with your hot pants and the bottle of Wine (...) I got your sweat running down my neck, it's time to get down baby, to higher stuff" (8.0)
Route 66 (Bobby Troup) - Cumprindo a tradição dos lonesome blues-man, Masquerade contém duas "covers" de clássicos rock/blues. Esta faixa leva-nos para 1946, para o estudio de Nat King Cole, onde Bobby Troup (actor americano/pianista jazz) compõe os últimos acordes do seu hit "(Get Your Kicks On) Route 66". O som e letra desta canção fazem-nos percorrer a famosa auto-estrada americana, por St.Louis, Oklahoma City, New Mexico, Winonna, Arizona, San Bernardino. A versão Tiger Man é bastante diferente da interpretação "folk" que se toca nas festas do Oeste Americano ou da interpretação soul jazz (a original) que se ouve nos clubes especializados. Tiger Man transformou o clássico da música popular americana num som muito pessoal, muito fechado, algo esmorecido, cheio do seu blues (dor, mágoa). O resultado é brilhante, estamos perante um som genuíno, nú, riscado, que fere o orgulho americano (a voz de Tiger Man transmite-nos a decepção e o lamento da queda de Route 66 e do rock e blues tradicional americano). Um verdadeiro tributo ao desaparecido espírito americano. Uma canção para acompanhar a leitura dos livros da geração "beat" americana (Jack Kerouac, Allen Ginsberg, Willam S. Burroughs) e para servir de banda sonora ao renascimento da reckless youth. (8.5)
Walkin' Downtown - Chica boom chica boom chica boom. É este o ritmo simplista que o ouvinte/leitor vai ouvir nos próximos 4 minutos. Isso, aproveite para se familiarizar com ele, sinta a sua sequência regular de vibrações graves e arranjos eléctricos. Acompanhe agora com pé a batida firme e confiante, isso, sem medo, siga os acordes estridentes da guitarra de Tiger Man na sua guitarra imaginária, sim, essa mesma que cria curvando os braços e arranhando a barriga. Walkin' Downtown é a obra-prima do minimalismo de Paulo Furtado, conseguido através de um som honesto e desfloreado. O sabor final é a de um hino ao desprendimento e à apatia de um dia cinzento citadino. Uma aprazível viagem sonora interrompida esporadicamente por solos de guitarra excêntricos (destaque para 1:54 a 2:20 que o deixará gravemente desidratado) e por "lyrics" picantes e satíricas. Uma das faixas mais viciantes deste Masquerade (está no top 10 do meu mp3 player há mais de 3 meses), um perfeito exemplo do génio de Paulo Furtado. Magistral. "I'm walking downtown, with your perfume in my flesh. I'm walking downtown, with your hair in my mouth. I'm walking downtown and I know you're uptown" (9.5)
Masquerade - O fumo cinza do tabaco de Tiger Man sobe agora pela tela de fundo preta, criando figuras abstractas que relembram o tango da noite passada, aquela "Masquerade" no clube sombrio e oculto que temos de guardar segredo, o prazer demoníaco escondido por detrás de uma mascara que só nos atrevemos a contemplar à noite... "and all that jazz..." Todo o imaginário de Masquerade contido numa faixa de 2 minutos, o tilintar dos cubos de gelo nos copos de wiskey, a percussão sensual dos saltos-altos das meninas do clube, o som do deslizar das fichas de jogo pela mesa de poker e a melodia do contra-baixo perdida por entre os sussurros dos "gentleman's". Paulo Furtado consegue com esta faixa um jazz excitante, não, lascivo. Um concerto de guitarra hipnotizante (conseguido com os acordes ondulantes que sobem e descem a escala da guitarra com sensualidade e morosidade) e de pratos-choque que serpenteiam o aparelho auditivo do ouvinte. É fácil ficar apaixonado por este jazz ardente e fulgurante (não nos importávamos de ouvir um álbum inteiro dele). De destacar os minutos 1:11 a 1:27 em que Tiger Man dilacera graciosamente o monótono jazz tradicional. Brilhante. "It's just an endless dance in this Masquerade" (9.0)
a continuar...